Plínio era um homem de rotinas, e a sua preferida era observar a vida dos outros da sua janela. Reclamava em silêncio do barulho que seus vizinhos faziam, sem se importar com seus passos pesados, com os objetos que deixava cair no chão ou com os móveis que ele vivia arrastando de um lado para o outro.

Ele tinha acabado de se sentar em sua poltrona com uma xícara fumegante de café preto, sem açúcar, quando um som de impacto súbito e seco subiu como um trovão. Plínio deu um salto, apoiando-se com dificuldade na poltrona e urrando por conta de sua perna esquerda, o café derramando no tapete, "Janine vai me matar", ele pensou. O que era aquilo? Uma porta batendo? Uma bomba? Um baú arremessado pela janela?

Primeiro ele olhou para cima, depois para baixo e para a porta de entrada do seu apartamento, tentando calcular de onde vinha aquele barulho. Calçou suas chinelas de couro, sem abotoar as cintas, e saiu arrastando os pés até a varanda.

O vento balançava as cortinas numa dança sutil. Ele meteu as caras e viu o térreo, lá embaixo, pequenas pessoinhas se aglomerando. Pequenas formas agitadas, como formigas em torno de um doce caído. Plínio ajustou os óculos, franziu o cenho e tentou focar.

— Eita porra… — murmurou, a voz se dissipando no vazio.

Não dava para ver bem o que era, mas algo dentro dele anunciava que não era coisa boa. Ouviu passos, vindos do corredor. Eram pisadas apressadas. Ele congelou por um instante, o coração velho batendo forte chegava a lhe doer.

Quem descia as escadas ao invés de usar o elevador? Com pressa ainda?

Aquilo parecia estranho e ele fez o que sempre fazia, foi curiar.

Plínio aproximou-se da porta, que estava entreaberta segura apenas pela tranca, para ventilar. Ele puxou a correntinha e a abriu com cuidado. O seu corredor estava vazio, mas os passos ainda ecoavam em algum andar mais abaixo. Ele correu até as escadas, desceu alguns degraus até o elevador de serviço, de onde avistou uma sombra desaparecendo. A pessoa sumiu como um vulto, rápida demais para que ele pudesse identificar.

Voltou para seu andar, a porta do seu apartamento 1704 entreaberta. Dessa vez ele a trancou, só por precaução. Chegou novamente na janela, as cortinas do apartamento da família Freitas mal fechadas, soprando para fora, deixando entrever uma luz acesa e formas que se moviam. Plínio não conseguia identificar quem estava lá no térreo, apenas o zelador por conta do seu uniforme, mas ali, debaixo da sua janela ele sabia bem de quem era aquela cabeça que surgiu.

Diego apareceu por um instante, como se estivesse olhando para a confusão lá embaixo também. Claro, todos estavam, mas ele agia de forma esquisita, afetada demais. O jovem parecia nervoso, andava de um lado para o outro e gritava com outra pessoa ali. Um vulto maior, só podia ser ele. Eles discutiram duas ou três coisas, sem que Plínio conseguisse compreender, seus ouvidos já não eram mais os mesmos.

Não demorou muito, o senhor de 72 anos ouviu novamente passos apressados na escada. Ouviu o elevador de serviço chegando, rangendo alto. E então o silêncio.

Na manhã seguinte, enquanto esperava o elevador, ouviu os vizinhos comentando sobre o corpo no térreo. A empregada de Freitas, disseram. Caiu, escorregou, um acidente. Um deles, confessou já dentro do elevador, que não duvidava nada que ela, na verdade, tenha se jogado.

— Não tinha ninguém em casa, só ela. — Zé Mário do 19, disse.

Plínio manteve-se calado, apenas assentia com a cabeça. As imagens e sons da noite anterior girando em sua mente como um caleidoscópio de possibilidades, algumas bem claras. Diego, Freitas, a sombra nas escadas. Era um quebra-cabeças que ele não queria se meter a montar.

— Já vi muita coisa nesse prédio, viu, mas é difícil alguém cair assim, do nada. — Ele disse, antes de sair do elevador.