Ela nunca foi de errar, o dom era seu fardo. As cartas nunca mentiam. O tormento vinha das mensagens que elas traziam.

Jurema encarava as cartas na mesa abafada da cozinha do seu apartamento no primeiro andar. Elas estavam espalhadas como cacos de vidros jogados na rua, refletindo fragmentos de uma história que Vandinha não queria ouvir. As velas tremulando sobre os potes de conserva que ela usava como castiçais projetavam sombras nas paredes que lhe traziam arrepios.

A casa cheirava a coentro e a incenso e Jurema, para completar, fumava igual uma Caipora. Ela encarava as três cartas puxadas pela garota como se estivesse diante de um parente perdido, que não via há muitos anos.

Sete de Espadas, ladeado pelo Diabo e pela Torre. Era uma combinação muito rara, e o significado a fazia sentir o peso do colar de contas que lhe esganava o pescoço.

Trapaça, traição e uma… queda. No sentido mais literal era o que as cartas lhe diziam. Vandinha não estava mais ali para ouvir, e nem ela teve coragem de falar assim, na lata, para a pobre coitada. Jurema ainda sentia a sua presença, como um eco na escada que levava aos elevadores que ficavam entre os andares, o que os moradores do prédio quase nunca entravam.

Ela havia insistido para que a menina voltasse mais cedo naquele dia. Algo na forma como ela passava a mão na barriga, enquanto ria em um tom amargo, mostrava que havia algo ali, um daqueles segredos que, para pessoas como ela, eram caso de vida ou morte.

— Não confia, Vandinha. Ele não quer o seu bem — Jurema havia lhe dito mais cedo, mas a moça, com o cabelo preso de qualquer jeito e um sorriso tão frágil quanto uma janela rachada, apenas deu de ombros.

— Você sempre fala essas coisas, Jurema. E eu continuo na mesma, aqui, né?

No dia seguinte, quando o barulho seco da queda ecoou pelo pátio, ela não precisou nem correr para saber. Saiu de casa e deu logo de cara com a confusão armada. Enquanto uma ruma de gente se amontoava ao redor do corpo, ela voltou ao primeiro andar, mas não entrou em casa logo.

Ela fingia que procurava a chave certa para abrir a porta, e ficou no corredor, os olhos fixos na escada. No meio das sombras, algo brilhou. Uma fivela, um reflexo de um anel.

— Seu Freitas?

Ouviu uma voz masculina na confusão. O homem respondeu algo cortado, irritado, só que ela não conseguiu compreender as palavras.

Passou um tempo e mais uma pessoa apareceu descendo as escadas. Suando feito cuscuz. Aqueles cabelos pretos, aqueles passos pesados. Não reconheceu aquele homem, mas sentiu uma energia pesada, tanto que lhe atacou uma dor de cabeça.

O Sete de Espadas continuava a encarar o seu destino. Ela resolveu embaralhar as cartas mais uma vez e então puxou uma novamente do baralho.

Desta vez, tirou a Lua.