Camila foi atraída para a mesa de madeira próxima ao salão de festas pelas gargalhadas estridentes e desgovernadas quando saiu do elevador. Tita ria como se ninguém mais além dela existisse, e seu show cortava a monotonia de um final de tarde quente de início de ano. Vandinha, ao seu lado, de pernas cruzadas, inclinada para ela, às vezes segurava as mãos na boca para conter as risadas.
A saia florida de Tita se espalhava sobre o banco como um leque, um batom lilás fazia seus lábios parecerem maiores do que já eram. Vandinha usava uma bermuda jeans, justa, com uma camisa do Mickey, possivelmente alguma roupa dos filhos dos Freitas que foi doada por sua patroa. Aquele momento das duas era muito raro, ali, sentadas, jogando conversa fora, de modo que Camila se aproximou e puxou uma cadeira.
Tita estava muito solta, gesticulava, o seu vestido balançava ao vento, estava cheirosa e Vandinha segurava seus braços no colo, mais contida. A cada gargalhada de Tita, Camila observava as duas de soslaio, tentando ver que hora ela conseguiria participar do papo e descobrir o que era tão engraçado assim.
— Tu não presta, Tita! — Vandinha dizia, empurrando de leve o ombro da amiga.
— E quem disse que eu quero prestar, fia? — Tita respondeu, jogando a cabeça para trás, rindo ainda mais alto.
Camila apoiou os cotovelos na mesa e descansou seu queixo sobre as mãos, ela não havia sido convidada, mas não estava sendo ignorada: a conversa seguia, como se a menina também fizesse parte.
— Como é que tu aguenta aquela peste, hein Vandinha? — Tita perguntou, mexendo nos cabelos.
— Dona Carmen? Ah, ela é até boa, sabe? Tem muito patrão que vejo por aí que é bem pior. Ela só é meio chata com as janelas, com os vidros e espelhos da casa, tem que estar tudo tinindo menina, é um inferno. Se você não deixar tudo transparente, o mundo acaba.
— Aff, Deus me livre, Dona Marta é meio doida das ideias, meio chata, mas não é nesse nível não.
— Doida? Ela parece tão gente boa.
— Gente boa? Ah… esse povo daqui, sei não, viu. — Tita então, olhou para Camila — Nada contra não viu, fia — Camila balançou a cabeça, dizendo que estava tudo bem.
— O problema mesmo lá é com um dos meninos, e seu Freitas. — Vandinha deixou escapar.
— E é? O que é que tem?
— Você sabe, eles ficam me rondando. Acham que não sei, o menino mais velho então, já veio uma vez de noite lá no quarto.
— Oxe, e foi? — Tita colocou as mãos no ouvido de Camila, mas sem tapar direito, apenas de forma divertida — Olhe, mas ele tá ficando um pitelzinho, viu.
— Oxe, tá doida? Deus que me defenda. Problema não quero, não. Fora que eu sou apenas uma empregadinha. Com ele eu consigo me virar, ainda tem medo de mim, agora Seu Freitas, quem tem medo sou eu.
— Mulher, mulher, se cuide, viu.
— Eu sei, eu sei… eu me cuido sim. Pode deixar. — Vandinha sorriu, mas era um sorriso perdido, como o seu olhar, preso em Tita, mas distante dali.
Camila observava tudo com a curiosidade de quem pegava as coisas soltas no ar e tentava montar as cenas em sua cabeça. Tinha completado quinze anos mês passado, ela sabia muito bem o que "se cuidar" significava naquele contexto, só não queria acreditar muito nas nuances e nas fofocas, no dito, pelo não dito.
— Ei, se forem se pegar com alguém, me chamem, viu? Quero participar também. — Camila brincou, tentando aliviar o clima pesado que surgiu.
Tita gargalhou, inclinando-se para o lado, deitando a cabeça no ombro de Vandinha e batendo as mãos nos joelhos.
— Tá vendo só, Vandinha? Até a menina tá tirando onda com a sua cara!
O riso das três foi interrompido por um som grave e cansado, vindo de alguma varanda de um dos andares mais baixos, de onde uma moradora gritava.
— Dá para fazer menos barulho, não? Tá parecendo uma feira isso aqui! — A mulher gritou, com a voz irritada.
Tita se levantou num pulo, ajeitando a saia.
— Bora, Vandinha. Já tamo incomodando a madame.
— Tô indo. — Vandinha deu um último sorriso para Camila antes de pegar a sacola que estava no chão e seguir Tita em direção às escadas do fundo.
Gambiarra alisava seu bigode na frente da entrada dos elevadores sociais. Olhou Tita e Vandinha seguirem para o elevador de serviço e depois olhou para Camila por um tempo. Ele apenas balançou a cabeça para os lados, em tom de reprovação. Como se o que a jovem moradora tivesse acabado de fazer fosse errado.