O apartamento parecia maior quando os meninos não estavam em casa. Freitas recostou-se na poltrona da sala, o copo de uísque equilibrado na mão, o peso do dia esmagando seus ombros. A televisão estava passando o noticiário local, nenhuma notícia, como haviam lhe prometido. Ele nem prestava muita atenção nas palavras dos repórteres, elas eram engolidas pelo barulho constante das hélices do ventilador de teto.

A janela lhe chamou a atenção, impecável, limpa, transparente, se olhasse rápido e esquecesse da moldura dava até para pensar que nem tinha janela ali, era desse jeito que "ela deixava". Afastou o pensamento arredio, com um gole grande. Não queria pensar em Vandinha. O som ainda ecoava em sua cabeça, aquele tombo seco.

Carmen entrou no cômodo, os passos arrastados, como odiava aquelas chinelas velhas e sujas se arrastando pelo chão. Ela carregava uma pilha de papéis que ele havia largado na mesa da cozinha.

— Luís, vai precisar assinar isso aqui. O delegado pediu os documentos.

Ele ergueu os olhos para a esposa, as sobrancelhas arqueadas. Não respondeu logo. Seus dedos batucavam no copo, o gelo quase derretido, naquele mesmo ritmo que a irritava, e ele sabia disso.

— Você falou demais para ele — disse, finalmente.

— E o que você queria que eu fizesse? Não sou muda, tenho que prezar pelo nosso nome, né? Queria o quê, que eu ficasse quieta?

Freitas apertou o copo, com força, os dedos ficaram vermelhos.

— Exatamente, mulher. É pedir muito?

Carmen fez um muxoxo com a boca, depois sorriu, os olhos vidrados no copo de Whisky, contando as doses. Seis.

— Isso tudo vai passar, Luís. As pessoas esquecem. Logo, logo elas esquecem. Você vai ver só.

Talvez as pessoas pudessem mesmo esquecer, e ele? Será que seria capaz? E o mais importante, Diego. Como será que ele deveria estar?

Freitas não acreditava em uma palavra sequer que seu filho disse. Não mesmo, ainda mais conhecendo aquele ingrato inconsequente. Iria fazer tudo que estivesse ao seu alcance. Não iria ver seu nome, seu status, desmoronado por conta daquela empregadinha que veio da roça.

Ele assinou os papéis com Carmen acompanhando cada traço da caneta. Aquilo era desconfortável, por isso a evitava há tanto tempo. Será que ela não conseguia entender que precisava de espaço? "Um homem precisa de espaço", ele repetia isso todos os dias, mas ela nunca entendia. Ele fez tudo por aquela ingrata, comprou a maldita cristaleira, colocou os dois idiotas no colégio particular de freiras próximo ao Parque Júlio César, mas parecia que nada adiantava.

Quando terminou de assinar tudo, Carmen conferiu, com os óculos na ponta do nariz, parecendo uma senhora de asilo. Depois ela deixou os papéis na mesinha de centro e foi tomar seu banho.

Freitas aproveitou e entrou no quarto que era de Vandinha até o dia anterior. Chegou com os passos mansos de sempre, como fazia nas madrugadas, mesmo sabendo que ela não estava mais ali. Costume.

Ele abriu a mochila que ela deixou e, conforme combinado depois de um longo convencimento via telefone, numa ligação que já iria lhe custar um bom dinheiro, ele deixou o pagamento acertado pelo "inconveniente" causado à família.